terça-feira, 19 de setembro de 2023

DEUS E OS ÚLTIMOS

 

DEUS E OS ÚLTIMOS



Naquele tempo, Jesus entrou, num sábado, em casa de um dos principais fariseus para tomar uma refeição. Todos o observavam.

Ao notar como os convidados escolhiam os primeiros lugares, Jesus disse-lhes esta parábola: “Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar. Pode acontecer que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu; então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer: ‘Dá o lugar a este’; e ficarás depois envergonhado, se tiveres de ocupar o último lugar. Por isso, quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar; e quando vier aquele que te convidou, dirá: ‘Amigo, sobe mais para cima’; ficarás então honrado aos olhos dos outros convidados. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado” (…). (Do Evangelho do 22.º Domingo do Tempo Comum, Lucas 14, 1.7-14)


Nosso Senhor Jesus Cristo surpreendia os bem-pensantes: era um rabino que gostava dos banquetes, apreciava estar à mesa, ao ponto de ser chamado «glutão e bebedor de vinho, amigo de pecadores» (Lucas 7, 34); fez do pão e do vinho os símbolos eternos de um Deus que faz viver, do comer juntos uma imagem feliz e vital do mundo novo.


Dizia aos convidados uma parábola, notando como escolhiam os lugares mais importantes. Os fariseus: tão devotos, tão austeros em relação à aparência, e por dentro devorados pela ambição. Jesus critica-os, citando um passo famoso, extraído da antiga sabedoria de Israel: «É melhor que te digam: “Sobe para aqui” do que seres humilhado diante de um príncipe» (Provérbios 25, 7).


Dizia: quando fores convidado, vai para o último lugar, mas não por humildade ou por modéstia, mas antes por amor: coloco-me depois de ti porque quero que tu sejas servido antes e melhor. O último lugar não é uma humilhação, é o lugar de Deus, que «começa sempre pelos últimos da fila» (S. Orione); o lugar daqueles que querem assemelhar-se a Jesus, que veio para servir, e não para ser servido.


Jesus reage à eterna corrida aos primeiros lugares opondo «a estes sinais do poder o poder dos sinais». Uma expressão de Dom Tonino Bello, bispo italiano e ex-Presidente da Pax Christi, que ilustra a estratégia do Mestre: vai para o último lugar, não por um sinal de indignidade ou de desvalorização de ti, mas por sinal de amor e de criatividade. Porque gestos destes geram uma reviravolta, uma inversão de rota na nossa história, abrem o caminho para um modo de habitar a Terra totalmente outro. Acolhe aqueles que ninguém acolhe, dá àqueles que nada te podem restituir. E serás feliz porque não têm o que te dar em troca (1).


CHARLES DE FOUCAULD


“Humildade de Jesus: imitemo-Lo. Busquemos o último lugar... fazermo-nos pequenos... Pelo exemplo, a humildade, o abaixamento, a vida escondida...”.


Charles de Foucauld


Meditações sobre o Evangelho (2)


Vivemos numa era em que o sistema religioso está tomado pela espetacularização. A espiritualidade de Charles de Foucauld é um contraponto para quem busca o testemunho evangélico no silêncio da oração, no deserto, no serviço aos pobres, no anonimato inspirado na vida oculta de Jesus em Nazaré. A busca do primeiro lugar é incompatível com a caminhada foucauldiana e é um escândalo ao ensinamento do Evangelho de Cristo. É da doutrinação ortodoxa saber que toda honra, glória, louvor, adoração e majestade pertencem a Santíssima Trindade.


A busca do primeiro lugar está conectada ao poder, ao domínio, a idolatria do dinheiro e a luxúria. Nesse contexto, a fama, a glória e o troféu é a realização carnal, egoísta do narcisismo e do hedonismo. O fato de o religioso ser assim torna-o muito pior do que o não religioso. No campo da religião tal prática é uma abominação que fora dele não há igual!


O Senhor bom Deus não associou a salvação à ciência, à inteligência, à riqueza, ao poder, a uma longa experiência religiosa de ritos, sacrifícios, pagamentos de promessas, peregrinações e atos grandiosos, e nem a dons espetaculares. Associou-se sim, àquilo que estão ao alcance de todos os seres humanos de todas as idades e classes, raças, tribo e em qualquer lugar ou em qualquer situação em que a pessoa esteja vivendo. Todos são acolhidos nos braços amorosos do Pai misericordioso. É em Jesus que nos fazermos pequenos, de tomarmos o último lugar, de obedecermos; que liga ainda à pobreza de espírito, à pureza de coração, ao amor da justiça, ao espírito da paz e de comunhão (Mt 5,3ss).


A soberba, a exaltação, o pedantismo e a síndrome do Facebook, (ser imagem para aparecer) não combinam de forma alguma com a humildade, simplicidade, pobreza e com espírito da Família de Nazaré. Não é compatível a vida evangélica com o show mundano. Não há nenhuma conexão do seguidor do Reino de Deus com o reino capitalista de Satanás.


Conselho de Charles de Foucauld: “Lembremos sempre uns aos outros esta história dupla: a das graças que Deus nos deu pessoalmente desde o nascimento e a das nossas infidelidades; e aí acharemos […] motivos infinitos para nos perdermos, com ilimitada confiança, no Seu amor. Ele ama-nos porque é bom, não porque somos bons; não amam as mães os filhos desencaminhados? E muitas razões havemos de encontrar para nos enterrarmos na humildade e na falta de confiança em nós próprios. Procuremos resgatar um pouco os nossos pecados pelo amor ao próximo, pelo bem feito ao próximo. A caridade para com o próximo, os esforços para fazer bem aos outros são um excelente remédio a opor às tentações: é passar da simples defesa ao contra-ataque”.


Frei Inácio José do Vale

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