segunda-feira, 16 de outubro de 2023

RESISTÊNCIA

 

RESISTÊNCIA


Meu Deus,

Não tenho mais nada!

Não tenho mais roupas.

Não tenho mais sapatos.

Não tenho mais bolsa, carteira, caneta.

Não tenho mais nome. Carimbaram-me 35.282 e levarei um triângulo vermelho na minha manga esquerda.

Não tenho mais cabelos.

Não tenho mais fotos de minha mãe e meus sobrinhos.

Não tenho mais antologia, onde cada dia aprendia uma poesia nova, na minha cela de Fresnes. Não tenho mais nada. Meu crânio, meu corpo, minhas mãos estão nuas.

SS.


Reviste, pilhe, raspe, animalize minha silhueta! Arme minhas mãos de pás, enxadas! Faça de mim uma lenhadora, trabalhadora, limpadora de excrementos, forçada dos pântanos! Esculpa meu rosto, minhas rugas para que eu me assemelhe a milhões e milhões de prisioneiras! Dê a meus olhos esta fixidez de sonâmbulo que descubro horrorizada nos olhos de minhas companheiras! Ensurdeça meus ouvidos com seus urros, use o porrete, dê pontapés, assassine, entupa dia e noite teus crematórios com nossos corpos esqueléticos! Ponha aos nossos olhos o espetáculo daquelas que morrem como animais, em um canto qualquer!


Fuzile, fira, enforque, atire sem parar jamais! Que importa...


SS, desde minha infância, meu país que é a França fez de mim alguém que caminha ao vento, os cabelos e o espírito livres. Educou meu coração, civilizou meus instintos, harmonizou minha sensibilidade, encheu minha cabeça de música, poemas, livros amados. Cerrou-me de doces sorrisos infantis. Meu país, que é a França, estendeu sobre mim sua ternura, a serenidade do seu céu. Colocou no meu coração, SS odiado, criminoso, um amor tão profundo, que aqui, prisioneira, desarmada, nua, sinto-me rica como uma rainha e levanto orgulhosamente a fronte, escreve Catherine Roux.


Depois da revista de entrada,  Ravensbrück, 23 de abril de 1944.

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