quinta-feira, 16 de novembro de 2023

O NOVO INCONSCIENTE

 

O NOVO INCONSCIENTE

Nós somos produtos das situações que vivemos. Mas também sofremos uma influência que vem de dentro – e é tão potente quanto elas.

O lado oculto da mente não é apenas um assunto de psicanalistas; ele também virou uma das áreas mais interessantes da neurociência moderna. Essa transformação aconteceu porque as técnicas de mapeamento cerebral finalmente estão permitindo que os cientistas comecem a desbravar o inconsciente – um mundo inexplorado e muito maior que a consciência.

Quão maior? Em 2012, a emissora inglesa BBC fez essa pergunta a sete dos maiores experts do mundo em cérebro e cognição, de quatro grandes universidades (Oxford, Montreal, Columbia e Londres). Cada um deles deu seu palpite – sim, palpite, pois a ciência ainda está longe de ter um catálogo completo dos processos cerebrais. Pelas estimativas dos especialistas, a consciência ocupa no máximo 5% do cérebro. Todo o resto, 95%, é o reino do inconsciente.

“O cérebro é abastecido pelos olhos, ouvidos e outros sentidos, e o inconsciente traduz tudo em imagens e palavras”, diz o psicólogo e neurocientista Ran Hassin, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém e um dos autores do livro The New Unconscious (“O novo inconsciente”). “Novo inconsciente”, aliás, é o termo que os cientistas têm utilizado para definir essa nova abordagem – que propõe uma explicação puramente neurológica para o lado oculto da mente. Mas também confirma a principal ideia do renomado psiquiatra austríaco e médico neurologista Dr. Sigmund Freud, o criador da psicanálise.

Psicanálise X Ciência

Sigmund Freud não foi o “descobridor” do inconsciente. Já durante o Iluminismo, no século 18, se discutia a existência dele – entendido como um pedaço da mente dotado de vontades que escapavam ao controle consciente. A contribuição específica (e enorme) de Freud foi transformar uma noção vaga num conjunto de ideias, teorias e técnicas: a psicanálise. Como explica o biógrafo Peter Gay em Freud – Uma Vida para Nosso Tempo (Companhia das Letras, 2012), Freud acreditava que o inconsciente era “uma prisão de segurança máxima” na qual os traumas sofridos na infância ficavam aprisionados, e nisso estaria à raiz das infelicidades humanas.

Os novos estudos sobre inconsciente trazem comprovação para um conceito central da psicanálise. Uma experiência liderada pelo psiquiatra Eric Kandel, que ganhou o prêmio Nobel de Medicina de 2000 por estudos sobre neurotransmissores, mostra como o inconsciente pode funcionar como amplificador das emoções. Antes da experiência, os voluntários preencheram questionários que mediam seus níveis de ansiedade. Depois, enquanto seu cérebro era monitorado pelos cientistas, cada voluntário via uma série de rostos com expressões de medo. Foram duas sessões. Na primeira, as fotos passavam bem devagar, com tempo suficiente para o voluntário analisar os detalhes de cada uma. Na segunda, as imagens passavam tão rápido que os voluntários não conseguiam identificar nada – não tinham nem certeza de ter visto um rosto ou qualquer outra coisa. A intenção de Kandel e seus colegas era provocar emoções conscientes e inconscientes. Quando a foto ficava por um bom tempo na tela, o voluntário tinha tempo de perceber conscientemente a expressão de medo da imagem. No outro experimento, era tudo tão rápido que não era possível ter uma reação consciente. Essas imagens rápidas estimulavam diretamente o inconsciente, e provocavam atividade muito alta no núcleo basolateral da amídala cerebral – área ligada às sensações de medo. Já as imagens lentas, que eram interpretadas de forma consciente, não geravam nenhuma atividade nessa área. Quanto mais ansiosa a pessoa era, maior a diferença entre a interpretação consciente e inconsciente da mesma coisa (as imagens). Para Kandel, o estudo é a comprovação neurocientífica de uma teoria central da psicanálise: a interpretação inconsciente de coisas negativas é a fonte de muitas das aflições humanas. Freud tinha razão.

O inconsciente pode ser fonte de angústias, injustiças como também de alegria, retidão e sucesso, cujos efeitos são perceptíveis desde a infância. Atuação e ações penetrantes nele vão manifestar seus resultados. Esse fenômeno, que se chama incentivo inconsciente, tem respaldo em diversos estudos científicos. Desde o gênesis da fecundação todo bem-estar proporcionado ao inconsciente, ele responderá da melhor maneira possível. 

Se, por um lado, é impossível controlar o inconsciente de maneira consciente, é possível influenciá-lo. “Podemos mudá-lo. Ele é tão maleável quanto à consciência, ou talvez mais”, afirma o neurologista Ran Hassin. Como se faz isso? Praticando alguma coisa até que ela se torne uma segunda natureza, ou seja, vire um processo automático. O consciente e o inconsciente reagem de modo diferente à mesma coisa. O primeiro é racional; o segundo, carregado de emoção e pode reagir de forma irracional. Dentro desse contexto a prática da terapia psicanalítica preenche esse requisito de maneira eficaz e continuada.

A dedicação resulta em recompensa fantástica porque, quando se pratica muito alguma coisa, ela fica gravada num tipo especial de memória: a memória não-declarativa, que faz parte do inconsciente e registra ações e movimentos do corpo. É ela que permite que o profissional obtenha resultado brilhante do seu ofício. Belas ações praticadas e continuadas como: pensamentos, palavras e atitudes positivas, lindas imagens contempladas, novos conhecimentos, novos idiomas e a convivência com pessoas excelentes vão ocupar e incentivar reações automáticas ou não do inconsciente, o mais importante se dar no comportamento equilibrado, elegante e na qualidade de vida, ou seja, saúde física e emocional. Disse o filósofo grego Aristóteles: “Nós nos transformamos naquilo que praticamos com frequência. A perfeição, portanto, não é um ato isolado. É um hábito”.

 “Os processos inconscientes são capazes de algum tipo de racionalidade, muito mais do que se pensa, e essa racionalidade pode levar a boas decisões”, escreve o neurocientista Antonio Damasio no livro E o Cérebro Criou o Homem.

Conclusão

“As emoções não expressas nunca morrem. Elas são enterradas vivas e saem de piores formas mais tarde”, afirmou Dr. Sigmund Freud.

O inconsciente não é apenas um depósito de traumas reprimidos e habilidades incríveis. Ele também é especialista em fazer o contrário: colocar tudo pra fora. O psicólogo Paul Ekman, da Universidade da California, ficou famoso por ter catalogado mais de 10 mil conjuntos de “microexpressões” – expressões faciais que fazemos inconscientemente enquanto conversamos, e que podem revelar nossas verdadeiras emoções.

Podemos produzir e estocar emoções maravilhosas no inconsciente e alimentá-las no mais nobre dos sentimentos: o amor. Daí serão expressas para os benefícios do nosso ser e para relações humanas. A vida tem sentido na dimensão do afeto, do carinho, da carícia, da ternura e da sabedoria de lidar diante das incompatibilidades.  Tudo isso faz parte da inteligência emocional psicoterapêutica que resulta na cura dos traumas e da libertação dos dramas psicológicos. Na caminhada do autoconhecimento se vive um novo consciente, uma nova vida!

Dr. Inácio José do Vale

Psicanalista Clínico, PhD

Escritor e Conferencista

Professor de Pós-Graduação na Faculdade Norte do Paraná

Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise Contemporânea/RJ. E da Ordem Nacional dos Psicanalistas/RJ.

 

Fontes:

https://super.abril.com.br/ciencia/o-mundo-secreto-do-inconsciente/

http://revistaepoca.globo.com/ideias/noticia/2013/03/voce-nao-comanda-sua-vida.html

https://rcristo.com.br/2014/02/22/neurocientistas-confirmam-que-partes-da-teoria-de-freud-estao-corretas/

Freud, S. Edição Standard Brasileira das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, 1996. 

_______ (1915b). O Inconsciente. Vol. XIV. p. 165-224. 

Laplanche, J. O inconsciente e o id. São Paulo: Martins Fontes, 1981/1992.

Kandel, Eric.  Em Busca da Memória. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 

Damásio, António R. E o cérebro criou o Homem. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

Callegaro, Marco Montarroyos. O Novo Inconsciente: Como a Terapia Cognitiva e as Neurociências revolucionaram o modelo do processamento mental. Porto Alegre: Artmed, 2011.

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