quarta-feira, 15 de novembro de 2023

FREUD E A RELIGIÃO

 

FREUD E A RELIGIÃO


SETEMBRO 2018


Dr. Sigmund Freud, renomado psiquiatra austríaco, médico neurologista e criador da psicanálise, nasceu de pais judeus na cidade fortemente católica romana de Freiburg, Moravia.

Ao longo de sua vida, Freud se esforçou para compreender a religião e a espiritualidade e escreveu vários livros dedicados ao assunto. Em vários pontos em seus escritos, ele sugeriu que a religião era uma tentativa de controlar o complexo de Édipo, um meio de dar estrutura para os grupos sociais, realização de desejos, uma ilusão infantil, e uma tentativa de controlar o mundo exterior. 


Ao longo de sua obra, Freud expôs, por vezes, suas opiniões acerca da religião. Mesmo declaradamente ateu, Freud tinha interesse especial pela problemática religiosa - em pelo menos quatro momentos aborda diretamente o tema, a saber: em "Totem e tabu" (1913), "Futuro de uma ilusão" (1926), "O mal-estar na civilização" (1929), e, mais tarde, em "Moisés e o monoteísmo" (1938). 


Para Freud, a religião surgiu de uma necessidade de defesa contra as forças da natureza, como todas as outras realizações da civilização. No indivíduo, ela surge do desamparo. Esse desamparo é inicialmente o desamparo da criança, e posteriormente, o desamparo do adulto que a continua. Freud afirma que "é a defesa contra o desamparo infantil que empresta suas feições características à reação do adulto ao desamparo que ele tem de reconhecer - reação que é, exatamente, a formação da religião." Mais tarde ele diz: "Assim, a religião seria a neurose obsessiva das crianças, ela surgiu do complexo de Édipo, do relacionamento com o pai”. 


Religião de acordo com Freud: 


“A religião é uma ilusão e que retira a sua força a partir do fato de que ele cai nas mãos de nossos desejos instintivos”. - Sigmund Freud, Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise de 1933. 


“Religião é comparável a uma neurose infantil”. - Sigmund Freud, O Futuro de uma Ilusão de 1927. 


“A religião é uma tentativa de obter controle sobre o mundo sensorial, em que somos colocados, por meio de desejo do mundo, que temos desenvolvido dentro de nós, como resultado de necessidades biológicas e psicológicas. […] Uma tentativa de atribuir à religião seu lugar na evolução do homem, ao que parece, não é tanto para ser uma aquisição duradoura, como um paralelo à neurose que o indivíduo civilizado deve passar no caminho da infância à maturidade”. - Sigmund Freud, Moisés e o Monoteísmo de 1939. 


Critica a religião 


§ A partir de Psicologia de Grupo e Análise do Ego (1921): “A religião, mesmo se ele chama a si mesmo uma religião de amor, deve ser dura e sem amor para aqueles que não pertencem a ela”. 


§ A partir de O Futuro de uma Ilusão (1927): “Nosso conhecimento do patrimônio histórico de certas doutrinas religiosas aumenta nosso respeito por elas, mas não invalida a nossa proposta de que elas devem deixar de ser apresentadas como as razões para os preceitos da civilização. Pelo contrário! Esses resíduos históricos têm nos ajudado a ver os ensinamentos religiosos, por assim dizer, como relíquias neuróticas, e agora podemos argumentar que o tempo, provavelmente virá, como faz em um tratamento analítico, para substituir os efeitos da repressão pelos resultados da operação racional do intelecto”. 


§ Em O mal estar na civilização (1930): “A coisa toda é tão patentemente infantil, tão estranha à realidade, que a qualquer um com uma atitude amigável para a humanidade é doloroso pensar que a grande maioria dos mortais nunca será capaz de superar essa visão da vida. É ainda mais humilhante descobrir como um grande número de pessoas vive hoje, não podendo deixar de ver que esta religião não é defensável, no entanto, tentando defendê-lo peça por peça em uma série de ações de retaguarda lamentáveis”. 


§ “As diferentes religiões nunca esqueceram o papel desempenhado pelo sentimento de culpa na civilização. O que é mais, elas vem para frente com um pedido… para salvar a humanidade a partir deste sentimento de culpa, o que elas chamam de pecado”. 



O Complexo de Édipo 



Chegamos, enfim, a um ponto importante do nosso trabalho, no qual Sigmund Freud fala da origem das religiões associada a teoria edipiana. Lembramo-nos que o Complexo de Édipo acontece na fase fálica do processo de desenvolvimento da pessoa e é comum a todos. O nome vem do mito grego do Rei Édipo que tem como destino dado pelos deuses matar o próprio pai e desposar a própria mãe. 



Segundo o psicanalista, o primeiro amor da criança é a própria mãe, aquela que o sustenta e protege. Diante disso, tendo em vista a percepção do bebê entre a relação de intimidade dos pais, a criança, que ama a mãe, passa a receber seu pai como o principal rival. Mas no desenrolar do processo, a criança percebe o pai rival como um oponente mais forte e sente a chamada ansiedade de castração, passando então a expressar-lhe uma admiração que perdura pelo resto da fase da infância e os conteúdos desse processo são lançados no inconsciente. 


Freud explica que, se algum filho tomasse o lugar do pai, o crime se perpetuaria sempre. É justamente sobre essa realidade que a religião se firma e dá vida novamente ao pai de diversas formas: “sob a forma do animal totêmico do clã, prosseguindo depois suas metamorfoses em heróis, deuses e demônios, para vir finalmente encontrar sua mais cabal ressurreição na figura do Deus único judeu-cristão” (DOMINGUES MORANO. 2003, p. 39). 



O cristianismo então, segundo Freud, é a religião que melhor expressa esse drama de pai e filho, ao afirmar o pecado original e a morte do filho como meio de livrar do pecado, desta forma, trazendo o pai à tona novamente. Logo depois, o dogma da ressurreição mais uma vez coloca o filho em posição privilegiada em relação ao pai. Para Freud, o judaísmo não soube reconhecer a morte do pai e, por isso foi fadado ao declínio e à perseguição. 



O Futuro de uma Ilusão 



Freud define a religião como uma ilusão, consistindo em "certos dogmas, afirmações sobre fatos e condições da realidade externa e interna, que dizem algo que não foi descoberto, e afirmam que se deve dar-lhes credibilidade." Conceitos religiosos são transmitidos em três formas e, assim, reivindicam nossa crença "em primeiro lugar porque os nossos antepassados primitivos já acreditavam neles,. segundo lugar, porque possuímos provas que foram entregues até nós desde a antiguidade, e em terceiro lugar porque é proibido levantar a questão de sua autenticidade em tudo. "Psicologicamente falando, estas crenças apresentam o fenômeno da realização do desejo. Desejos que são as “realizações dos desejos mais antigos, mais fortes e mais urgentes da humanidade”. (cap. 6 pg.38). Entre eles estão a necessidade de agarrar-se a existência do pai, o prolongamento da existência terrena por uma vida futura e da imortalidade da alma humana. Para diferenciar entre uma ilusão e um erro, Freud enumera as crenças científicas, tais como “a crença de Aristóteles de que os parasitas se desenvolvem do esterco" (pg.39), como um erro, mas" a afirmativa feita por alguns nacionalistas de que a raça indo-germânica é a única capaz de civilização "é uma ilusão, simplesmente por causa do desejo envolvido.” Isso dito de uma forma mais explícita: o que é característico das ilusões é que elas são derivadas de desejos humanos, (pág. 39). Ele acrescenta, porém, que, "Ilusões não precisam ser necessariamente falsas." (pg. 39) Ele dá o exemplo de uma menina de classe média ter a ilusão de que um príncipe vai se casar com ela. Enquanto isso é improvável, não é impossível. o fato de que baseia-se em seus desejos é o que faz com que seja uma ilusão. 


A religião é um desdobramento do complexo de Édipo e representa o desamparo do homem no mundo, tendo que enfrentar o destino final da morte, a luta da civilização e as forças da natureza. Ele vê Deus como uma manifestação de um desejo da criança por “[um] pai” (pág. 18). “Em suas palavras os deuses retêm a tarefa tripla: devem exorcizar os terrores da natureza, devem reconciliar os homens com a crueldade do Destino, particularmente, como é mostrado na morte, e devem compensá-los pelos sofrimentos e privações que uma vida civilizada em comum impôs a eles" (pág. 19). 


Conclusão 


Durante os últimos trinta anos de sua vida, Freud manteve uma constante troca de centenas de cartas com o teólogo Suiço, Oskar Pfister. É interessante notar que sua correspondência mais longa foi exatamente com este teólogo. Ele admirava Pfister e escreveu, "Você é um verdadeiro servo de Deus… que sente a necessidade de fazer um bem espiritual para todos que você encontra. Você fez isso por mim também". Ele, posteriormente, disse que Pfister estava, "na honrosa posição de poder levar homens a Deus". 


Dr. Inácio José do Vale, Psicanalista Clínico 


Fontes: 


https://psicoativo.com/2016/01/freud-e-religiao-frases-criticas-neurose-obsessiva.html


http://pensamentoextemporaneo.com.br/?p=2654


http://www.minutopsicologia.com.br/postagens/2014/06/26/freud-e-seus-fragmentos-de-deus-um-ateismo-ambivalente/ 


DOMINGUES MORANO, Carlos. Crer depois de Freud. Tradução Eduardo Dias Gontijo. São Paulo: Loyola, 2003. 


FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Tradução Renato Zwick. Porto Alegre: LePM Editores, 2010. 


KRISTEVA, Julia. No Princípio Era o Amor – Psicanálise e Fé. Ed. Brasiliense, 1987. 


LACAN, Jacques. O Triunfo da Religião, precedido de Discurso Aos Católicos. RJ: Jorge Zahar, 2005. 


FREUD, Sigmund (1996). O futuro de uma ilusão. In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago.

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