sexta-feira, 14 de abril de 2023

CH. DE FOUCAULD E O EREMITISMO

 

Charles de Foucauld e o eremitismo 


“Aprecio cada vez mais os encantos da solidão e estou tentando descobrir como entrar em uma solidão cada vez mais profunda”. 

Charles de Foucauld 

O eremita francês, bem-aventurado Charles de Foucauld permanece como um sinal de contradição. Estudiosos colocaram Foucauld entre os “santos” cuja visão religiosa cresceu com uma sabedoria e conhecimento íntimo de uma fé diferente. A prática literal das virtudes morais de Foucauld, em última análise, colocou-o entre os pobres e oprimidos como solitário peregrino. Sua vida enigmática deixa um legado de abissal heroísmo. Motiva uma fé radical a Cristo, no Evangelho, nas missões, no amor aos mais distantes e abandonados. É de suma importância ressaltar seu exemplo eremítico que comove de forma imensurável o abandono total ao Senhor bom Deus e também instiga a vocação especial para vida eremítica. 


Disse Charles de Foucauld: “Eu amo o deserto, a solidão; é tão quieto e tão saudável; as coisas eternas parecem muito reais e a verdade invade a alma. Estou muito relutante em deixar a minha solidão e silêncio...” 


Legado do eremita 

Dentro de seu contexto de vida religiosa e de suas intuições de fundar congregações e fraternidades, Foucauld foi reabilitado em parte proporcionar pela sua conversão, integridade pessoal e a transformação do trabalho missionário em "testemunho impactante". Desde a sua morte, o legado de Foucauld refletiu-se no surgimento de sacerdotes operários, no movimento dos Trabalhadores Católicos, do protagonismo dos leigos e, especificamente, no desenvolvimento das fraternidades que ele inspirou - Irmãozinhos de Jesus e Irmãzinhas de Jesus. A vida e a espiritualidade de Foucauld foram assim de renovação para a Igreja dos tempos modernos. 


Os discípulos de Foucauld são hoje pequenas fraternidades de irmãos e irmãs no mundo inteiro. Eles vivem com os pobres, como pobres, no mesmo tipo de trabalho que seus colegas, não revelando suas próprias habilidades, educação, gostos culturais ou conhecimento profissional. Eles deliberadamente não têm nem desejos nem recursos, nem ideologia intervencionista para fazer o contrário, e reconhecem abertamente seus escassos frutos terrestres. Sua intenção é configurar a vida de Jesus em Nazaré: a "vida oculta" da autoanulação em um pequeno ambiente "familiar". Ausente é a atmosfera do nacionalismo, a função civilizadora, do testemunho como ferramentas de conversão, os elementos culturais evangelizador que Foucauld deixou. As pequenas fraternidades estão inseridas no mundo como fermento na massa. 


A grande lição que emerge da vida solitária e silenciosa de Charles de Foucauld é sua humildade, sua gentileza e sua bondade. A humildade, a caridade, a renúncia aos prazeres e as boas coisas deste mundo e a devoção ao serviço dos pobres e infelizes são virtudes que sempre impressionaram aqueles que conheceram o apostolado desse eremita. 


Escreveu Charles de Foucauld: “Abraçar a humildade, a pobreza, a renúncia, a abjeção, a solidão, o sofrimento, como Jesus na manjedoura. Não se importar com a grandeza humana, ou ascensão no mundo, ou a estima dos homens, mas para estimar os muito pobres tanto quanto os muito ricos. Para mim, buscar sempre o último dos últimos lugares, ordenar a minha vida de modo a ser o último, o mais desprezado dos homens”. 


Foucauld amplia o eremitismo com sua consciência de seus conhecidos, por seu ativismo em trabalhar lado a lado com eles, mas permanecendo exteriormente silencioso e interiormente solitário. De qualquer ponto de vista mundano, tanto Foucauld quanto suas fraternidades prontamente admitem seu "fracasso" e preferem seu testemunho, sua incubação em um nível social e moral. "Sucesso" não é o objetivo dos eremitas. O sucesso vem com comunicação, convívio, cooperação, não solidão, silêncio e autoanulação. Mas a vida eremítica dá testemunho de uma verdade mais profunda sobre mudança social, cultural, afetiva e psicológica, sem falar da mudança espiritual. 


Charles de Foucauld é uma figura histórica complexa dentro do catolicismo, e da história do eremitismo, ou seja, ele é singularmente moderno e sua vida tem um esforço inconsciente para alcançar um eremitismo ecumênico, um eremitismo universal. O eremita comunga o amor para com todos, ele vive a mística intercessória pela humanidade. 


O eremita do mundo peregrino, o eremita da cidade, da aldeia, da periferia ou da cela não podem e não esperam sucesso mundano ou mesmo pessoal. Esse não é o objetivo do eremita. Somente uma consciência do silêncio, do deserto, no eu e nos outros pode ser esperança de vida. A esse respeito, Charles de Foucauld se aproxima desse modelo único de eremitismo. A busca ardente do Absoluto se embriaga na acesse eremítica, na profundidade contemplativa e numa vida de fé que contagia e motiva a nossa vida para Deus. 


Meditando 

A vida do eremita Charles de Foucauld foi toda centrada em Deus e foi animada pela eucaristia, adoração, vigília, deserto, oração, caridade e serviço humilde, que ele esperava mostrar Jesus Cristo pelo testemunho. Aqueles que são inspirados por seu exemplo, procuram viver sua fé com humildade, com profunda convicção do Evangelho e no amor da Espiritualidade de Nazaré. 


Inácio José do Vale

Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas 

Fraternidade do Bem-aventurado Charles de Foucauld  


ENSINAMENTOS DO EREMITA CHARLES DE FOUCAULD 

Tenho para mim procurar o último dos últimos lugares, para ser tão pequeno como o meu Mestre, para estar com Ele, para caminhar atrás dEle, passo a passo, como servo leal, discípulo fiel, porque na sua bondade infinita e incompreensível Ele me permite falar assim, em irmão leal, em esposo fiel. Por isso a minha vida deve ser concebida de modo a ser o último, o mais desprezado dos homens, afim de passá-la com o meu Mestre, o meu Senhor, o meu Irmão, o meu Esposo, que foi ‘desprezo do povo e opróbrio da terra, um verme e não um homem’. Viver pobre, desprezado, no sofrimento, na solidão, esquecido, para estar na vida com o meu Mestre, o meu Irmão, o meu Esposo, o meu Deus, Ele que assim viveu toda a sua vida, dando-me este exemplo desde o seu nascimento. 


Seguir Jesus é imitar Jesus em tudo, partilhar a sua vida como o faziam a Santíssima Virgem, São José, os apóstolos, isto é, por um lado, conformar como eles a nossa alma à dEle, convertendo o mais possível a nossa alma à sua alma infinitamente perfeita; por outro lado, conformar como eles a nossa vida exterior à dEle, partilhando como eles fizeram, a sua pobreza, a sua humilhação, os seus trabalhos, os seus cansaços, enfim tudo o que foi a parte visível de sua vida… Na dúvida de fazer ou não alguma coisa, perguntar-se o que teria feito Jesus em nosso lugar e fazê-lo. Não imitar tal ou tal santo, mais só a Jesus. 


Não há, creio eu, palavra do Evangelho que mais me tocou profundamente e transformou a minha vida do que está: ‘Tudo aquilo que fazeis a um destes pequeninos, é a Mim que o fazeis.’ Se pensarmos nestas palavras que são do Verbo não criado, da sua boca que disse ‘Este é o meu Corpo…este é o meu Sangue’, com que força seremos movidos a procurar e a amar Jesus nestes ‘pequeninos’, nestes pecadores, nestes pobres. 


Um amigo para os tuaregues (1904 a 1916) 


Em 13 de janeiro de 1904, Charles de Foucauld saiu para morar com os tuaregues. 


Escreveu “Minha vocação normalmente envolve solidão, estabilidade e silêncio. Mas se eu acredito que, como uma exceção, às vezes eu sou chamado para outra coisa, como Maria, eu só posso dizer: "Eu sou a serva do Senhor". 


Nesse período foi abissal a vida eremítica de Charles de Foucauld. A profundidade mística, a busca ardente de Deus, a amizade intensa com Cristo, a vivência do silêncio interior no deserto da alma e geográfico, o amor aos tuaregues, a quietude e a prática de uma nova missão apostólica, pregando não através de sermões ou espetacularização, e sim pelo seu exemplo de vida de um verdadeiro servo de Jesus de Nazaré 


Escreve: “Amanhã, serão dez anos que venho dizendo a Santa Missa no eremitério de Tamanrasset e não uma única conversão! É preciso oração, trabalho e paciência”. 


Por dois anos, a guerra estava destruindo a Europa. Estava começando a chegar ao Saara também. 


Ele disse: “A 450 km daqui, o forte francês de Djanet foi invadido por mais de mil senoussistas armados com um canhão e rifles. Depois do sucesso, os senoussistas têm um caminho aberto para vir aqui. Nada pode detê-los, exceto a Deus. 


Mas a vontade do bom Deus não os impediu e o eremita Charles de Foucauld foi violentamente morto em 1 de dezembro de 1916. 


“A menos que um grão de trigo caia na terra e morra, resta apenas um único grão; mas se morrer, produzirá uma colheita rica...”, afirmou Charles de Foucauld. 


Charles de Foucauld foi assassinado por assaltantes de passagem, na porta de seu eremitério, em 1 de dezembro de 1916. Logo foi considerado um mártir e, nos anos seguintes, sua memória passou a ser venerada. Ao mesmo tempo, sua biografia do renomado escritor francês René Bazin (1853 -1932), publicada em 1921, tornou-se um best-seller


Hoje sua família espiritual se encontra em toda parte do mundo. Sua espiritualidade de Nazaré é seguida por cristãos de várias confissões, que sejam leigos ou clérigos, em congregações, fraternidades e grupos. A mensagem desse eremita é a vida na prática do amor a Cristo, ao próximo e o Evangelho anunciado com o testemunho sem nenhuma traição. 


Inácio José do Vale 

Professor e conferencista 

Sociólogo em Ciência da Religião 

Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas da 

Família Espiritual de Charles de Foucauld


O EREMITA CARLOS DE FOUCAULD


“Devido a seus instintos profundos, monge é o que ele era, ou antes, eremita. Ele nasceu assim. Apenas levou algum tempo para encontrar seu caminho. Os instintos profundos do eremita já apareciam no explorador”.

Émile-Félix Gautier

Explorador, geógrafo e escritor francês (1).

 

Um nome se tornou usual para designar o seu eremitério: a Khaúa, a Fraternidade. E toda a gente lhe chamava “ Khauía Carlo”, o Irmão Carlos. Era uma vitória. Com o seu hábito branco sobre o qual apusera um coração de tecido vermelho, encimado por uma cruz, o Pe. Carlos Foucauld podia percorrer toda a região, até ao Tafilet, onde os marroquinos tinham sempre a mão no gatilho, que ninguém ousaria atacá-lo.

Carlos de Foucauld não procurava convencer com argumentos, operar conversões. “Não sou um missionário; sou um eremita”, repetia ele. Tornar Cristo presente e irradiante, a fim de que a sua graça penetrasse lentamente e sem que ninguém desse por isso, no meio daqueles que rodeavam o seu servo – nada mais desejava. O poder do exemplo valeria por todas as demonstrações.

Duas das partes do programa foram cumpridas. O eremitério no pequeno vale em breve se tornou um lugar de oração, como tal conhecido em todo aquele oásis e mesmo fora dele. A capela não era mais que “um simples corredor feito de estacas e coberto por canas”, diz o célebre marechal Louis Hubert Lyautey, que a visitou. “O altar era uma tábua, e os castiçais de ferro branco; por única decoração, um Sagrado Coração de Jesus, de braços abertos, pintado pelo próprio padre num paninho”. Mas todos os dias ali se vinham ajoelhar soldados e oficiais, e os muçulmanos, que são homens de oração, admiravam o “marabu” rumi que viam passar tantas horas, de dia e de noite, a adorar a Deus. Bastava à presença do oratório para reformar muitas ideias sobre a irreligião dos franceses, a impiedade desses cristãos que ninguém via rezar.

Quanto à segunda parte do programa – manifestar a caridade de Cristo – o êxito foi retumbante. Em pouquíssimo tempo, o eremitério passou a ser o centro de uma espécie de “pátio dos milagres”, onde todos os infelizes, doentes e indigentes vinham pedir socorro. E o Pe.  Foucauld, ia dando, dando, inesgotavelmente, até para além das suas possibilidades, deixando o próprio alimento aos esfaimados, distribuindo sem contar o dinheiro que recebia da família, cedendo até a peça de bom tecido que uma parenta piedosamente lhe mandara para que trocasse a túnica esfarrapada. Nenhuma miséria física ou moral deixava de achar consolação junto dele. Subsistia a escravatura na região, e as autoridades militares francesas ainda não tinham decidido suprimi-la. O Pe. Carlos, esse, recebia os escravos – ás vezes, vinte ao mesmo tempo – e resgatava alguns, na medida das suas posses, para levá-los a um trabalho livre.

A 1 de dezembro de 1916, o Pe. Foucauld estava sozinho no fortim que as tropas francesas tinham construído, logo depois de se terem instalado no Hoggar, e onde concordara em residir, visto que a eclosão da Primeira Guerra Mundial tornara a região claramente insegura e por lá circulavam bandos mais ou menos apoiados pelo inimigo. Algumas pancadas na porta arrancaram-no à meditação. O corredor fora habitualmente preparado para só poder passar uma pessoa de cada vez. Do outro lado do tabique, a voz era familiar ao padre: era a de um mestiço do aduar que o eremita recebera várias vezes. Sem desconfiar, o padre abriu a porta, estendeu a mão. E foi o drama. Traído por um amigo, como Jesus, foi lançado por terra, manietado, e os felagas (*) que o aprisionaram interrogavam-no “Quando chega o comboio? Há soldados franceses nas proximidades?”.

Mas ele não respondia. Em silêncio, rezava. No alto de uma página da sua agenda pessoal, debaixo das duas palavras “Jesus, Caritas”, e do Coração encimado pela cruz, tinha escrito: “Quanto mais tudo nos faltar na terra, mais encontramos o que a terra nos pede dar de melhor: a Cruz”. Era a hora em que tudo faltava ao Irmão Universal, mas em que a Cruz estava perto. Um tiro disparado por um guarda demasiado nervoso, uma bala que entrou por detrás da orelha direita e saiu pelo olho esquerdo... O eremita branco de Tamanrasset estava morto, naquela terra aonde levara a mensagem do amor de Cristo. Era a primeira sexta-feira de dezembro, dia liturgicamente consagrado ao Coração de Jesus.

“Foi o testemunho que daria até ao sacrifício da vida um homem de Deus que surgiria para o nosso tempo como um farol do apostolado: Charles de Foucauld”. “Talvez a Igreja tenha recebido dele um novo horizonte, e um método que possa tornar fecundo no mundo inteiro o seu apostolado”, escreveu o renomado historiador da Academia Francesa Daniel-Rops (2).

O legado deixado pelo beato francês Charles de Foucauld (1858-1916), que é conhecido como Irmão Carlos, Carlos de Jesus, Irmão Universal, Eremita Ecumênico e Apóstolo do Saara, é uma espiritualidade e uma missão de testemunhar pela vida o Evangelho de Jesus de Nazaré. Amar e evangelizar faz melhor com exemplo radical e permanente!

 

Inácio José do Vale

Fraternidade Sacerdotal JesusCáritas.

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